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18 de novembro de 2010

da ponte, a travessia



Tinha feito malas, separado da primeira necessidade aos pequenos luxos, livros começados & a espera, baralhos de tarô, diários, brincos de prata há tempo sem uso. Objetos revestidos de uma cor sentimental: fragmentos até ali. Fotografias, postais e a percepção de que além do que ficaria, havia tanto a jogar fora. Rastros adolescentes confundidos com a memória, lastro fácil de juntar quando a vida tem mais tons de um vir a ser: gente grande, mulher, jornalista, outras nuances. Mas quando vem, então, o que importa é quase portátil.


Por mais esperado o instante, fechar a porta de casa trouxe um arrepio, lágrimas ligeiras atrás dos óculos escuros. Ir embora não cheirava a abandono, era um novo chegar. A vertigem do desconhecido revirava o turbilhão dos últimos dias – preparativos, comemorações, amigos, a família. O amor no recado em batom no espelho, nas conversas entrecortadas, sorrisos, abraços demorados, no olhar silencioso do cachorro acompanhando a saída sem lamento nem festa, no livro sobre a cabeceira da Mãe.


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Chegar é uma casa onde me aninho aos poucos. A acolhida do amor contrasta a imponência da metrópole e seus excessos concretos automóveis distâncias multidões. As pessoas me dizem coragem e, no entanto, essa mudança acalentada chega repentina e natural – a exigir força mais pelo desafio do novo trabalho, aprendizado e a construção de novas referências. Em casa, os cuidados se complementam, as carícias se embalam e dias cinzentos e a garoa são traços a apreender na primavera paulistana.