Pages

26 de julho de 2010

Bs As II



una mirada desde la alcantarilla
puede ser un visión del mundo

la rebelion consiste en mirar una rosa
hasta pulverizarse los ojos

Alejandra Pizarnik,
Árbol de Diana


teu céu nublado claro quase branco, tus calles me esperando a desvendá-las a pé, as largas avenidas, os cafés de esquina – a filosofia nas bancas de jornal, entre whiskys, vinho e fumo nas calçadas. Uma elegância inexplicável, recendendo a orgulho, um tom de distinção – a gentileza mesmo com os nem sempre bem-vindos, a beleza simples no desfilar de seus casacos, vaqueros, cashemeres, cachecóis. Um calor gentil dos que recebem bem aos hermanos, encantados com a mistura da arquitetura, a história inesquecida no testemunho de teus prédios nas palavras de ordem nas paredes, fotografias e postais dos personagens e heróis de tua trajetória. Memórias.

guardarei o sabor de teu chocolate quente e medialunas, tanta música, do pop mais batido nas rádios cariocas que há anos não ouço ao eletrotango pelas ruas de San Telmo – até encontrar los criollos orgullosos y la milonga em la calle. Trouxe comigo um pouco de tua poesiaa me ensinar um ritmo – Julio, queridíssimo Cronópio, para reacender essa paixão antiga.

me voy com o pés doloridos e alegres. há anos te desejava pela tangente sem pressa de chegar por não saber quando, enfim, tragaria teus gostos cores cheiros a talhar atrás dos olhos este afeto delicado. Tu me acolheste y correspondeste a meu peito aberto com teus caminhos planos, os sorrisos de teus habitantes, a calma no porto, el piropo de los tipos.

foi intenso e breve o nosso encontro. E creia, que mesmo em teu desencanto crítico estampado entre as bandeiras del bicentenário, nada se perde do carinho que antes de dedicava – volto – e não trarei o encantamento tolo de quem se aproxima para encontrar no outro um traço que fale ao seu desejo, mas venho sabida de algumas belezas a te procurar ainda mais em teu detalhes.

24 de julho de 2010

notas sobre um jantar em família



O silêncio constrange. Preferia que você fizesse piada, porque não vai admitir o medo. É claro, eu também tenho – mas não existe a menor possibilidade de deixar que isso me pare agora. Olha bem pra mim. Por acaso eu fiz alguma merda na minha vida? Uma loucura irremediável? então. E tenho sobrevivido a tanta coisa enquanto vocês se reúnem e bebem e conversam e se comportam como se nada estivesse acontecendo, preocupados se a cadeira é confortável e fazendo planos de mudanças e viagens e falando da bolsa.

Mas estou misturando as coisas. Se bem que no fim as coisas não serão mais como antes. Nem pra mim, nem pra ela. Porque embora eu tenha começado porque sinto essa censura silenciosa, a falta de assunto como reprovação. É bem parecida essa coisa. Não falaremos que ela está doente, como se isso pudesse espantar o medo dela, o medo que temos por ela.

Não falar sobre o assunto faz com que ela se sinta só – claro que uma pessoa com um tumor crescendo por dentro se sentirá extremamente solitária, mas é preciso compartilhar algo, encontrar um conforto, um ‘não posso fazer muito, mas estou aqui’. E esse silêncio não é cúmplice, é uma forma de isolar o que vai contra a normalidade. Seja numa discordância ou na perturbação da descoberta da fragilidade da vida da própria mãe.

Antes você me dissesse que não sabe lidar com a imprevisibilidade das coisas, em vez dessa defensiva, o olhar esquivo para a forma como ela se move tentando evitar que notem a diferença após a cirurgia.

Você não quer ouvir, constatar a passagem do tempo, a inevitabilidade da morte. E justo você, quem soube dar amor das formas mais óbvias e veementes, quem não teria o que lamentar por omissões e arrependimentos. Não diga, chore. Desespere logo o que te parece a desagregação da família, a beirada do desconhecido. Se aproxime dela sem razão nem medo, para que ela possa se sentir ao menos amparada. Não cometa a estupidez de no futuro lamentar o que não falou enquanto havia tempo.

E quanto a mim, sei lá. Talvez um dia você venha de sarcasminho – ou guarde pra si toda essa merda ‘olha lá, estou avisando’. De certa forma é bom pensar que o seu silêncio é constatação de que nenhuma palavra mudaria o decidido, mas ainda queria te ouvir. Queria esse precedente. Só pra responder. Mas, ah, sim, eu posso esperar.

22 de julho de 2010

vambora

vezenquando essa sensação de que vida está ficando pequena pro que você quer ser. não que você queira muita coisa. e se quiser, é direito seu. ninguém vai arder insone de desejo ou se afundar quando suas expectativas não se cumprirem, como você vai. seus desejos já foram mais caros, mais longe, recendendo a pretensão de quem se pensa resolvendo quase tudo sozinha, deixando o importante. gentes e a si mesma inclusive.

parte da dinâmica é se ultrapassar, por isso seu agora tem um travo de ‘e depois?’ apesar de concentrar na lição de viver o presente - afinal não há mais nada – acredita-se que o agora se desdobra noutra coisa e a vontade aponta. a próxima, por favor

parece que tudo o que você queria ser é adulta. isso: ter suas responsabilidades, sua grana, decidir por sua vida dentro de algumas opções, cuidar de si e todo dia lembrar de não se sentir mal pelo fato de que eles não entendem que você caiu fora do esquema boa moça se fazendo de virgem aos 25 porque solteira - ok, quem precisava, entendeu. irritante é a conversa fiada de sobra que não vai mudar nada.

e viva o velho mantra: ‘ninguém lava minhas calcinhas’. tem horas em que só repetindo muito. quando surge um pra cagar moral censurando sua felicidade. sempre há. E não tem o que explicar porque no fim o amor e preocupação justificam a reticência, mas só o amor vale alguma coisa, nem por isso impede que mudo gire e a vida siga.

é preciso inventar outro limite. tá na hora de dar a cara a tapa, de parar de disfarçar a mulherice nessa farsinha familiar em que te tratam como pós adolescente, inocente, tolinha. a voz da experiência que interessa vem de dentro, quebrar a cara também é necessário. encontrar um jeito próprio de organizar o território. o que vem é hora do passo e você sente o desejo silencioso se concentrando, foco.

você mal pode esperar – a porrada contra essa pequenice, pra desfazer a coisa esgarçada se arrastado há anos por questões de grana. finalmente parar de fazer contas e fluir em direção risco. e melhor, numa direção diferente do plano inicial, sem se ultrapassar e levando em conta o que importa: a gente e o sentir.

20 de julho de 2010

entre as pontas



faz parte da minha felicidade chorar em aviões. Ninguém associa felicidade à moça de óculos escuros com o rosto voltado para janela enquanto as lágrimas escorrem, mas é isso mesmo - entre uma insipiração mais funda pra evitar um soluço, agradeço: aos deuses, à vida, ao acaso. não é qualquer coisa que provoca transbordamentos despudorados em transportes coletivos

o que me dói é a ponte. Impalpável e silenciosa, a distender o amor - que embora o bastante para resistir às raízes em terras tão diferentes, se recente de expandir-se, recolher-se no longe-perto

é feliz sentir minha vida se espalhar, apesar de uma tristeza me ver onde me cabe cada vez menos estar. se misturam o desejo de independência e espaço, o para enfim deixar ninho e se achegar mais pro seu lado onde preciso pisar firme e mansa, sem me deixar atropelar por tanta informação, a vertigem da cidade, o que você me traz de novo e o que desejo descobrir - mas saber dessa precisão nem me espanta porque você acaba me pegando numa meninice na curva de um olhar atento

tenho pensado nas facetas inusitadas de ser feliz. esse silêncio porque a experiência roça o indizível, a simplicidade que não vira crônica ou história de bar, teu cheiro de banho recém tomado. o peso das horas que precedem o embarque, o travesseiro molhado na primeira noite sozinha ao chegar


na imagem, uma das pontes japonesas de Monet 

8 de julho de 2010

Bs As





te procuro, Julio, ouvi dizer que há uma praça com seu nome - encontro Cronópios pichado na avenida de mayo, queria fotografar, mas nem tentei. Trago, mais pegado do que gostaria, o medo das cidades à noite, assaltos, muito tempo sendo alvo fácil, a mocinha só e por mais que agora tenha esta mão que me ampare, ainda me pego desconfiando de figuras paradas nas esquinas, passos apressados às minhas costas.

Talvez devesse te buscar em Paris– mas talvez aqui, entre cafés, os contrastes da arquitetura, as pequenas livrarias, pessoas inquietas e desencantadas pela crise e a inflação, as palavras de ordem nas paredes questionando o sistema, consiga captar algo – um relance do que tenha te instigado antes de cair pro velho mundo

ainda penso nela, Julio, na Maga. Caminhei por Palermo procurando a avenida Jorge Luis Borges para chegar a uma ironia que seria uma das minhas esquinas literárias do coração, quando a Borges leva à praça Cortázar. Vendo as casinhas antigas me pergunto se ela também não teria voltado de Paris, para uma região como aquela. Não teria ela cruzado o atlântico sabendo que de nada adianta fugir ou tentar se encontrar nos braços de um homem incapaz de suportar a si mesmo.

penso nela porque gostaria de sabê-la ali ou talvez no interior da França, numa existência simples como era capaz de ter, guardando sua dor como uma sabedoria secreta sob o riso aberto e seus gestos desengonçados.

na praça, nada me lembra você – o microcentro emocionou mais, especialmente a pichação – parei para um vinho e contemplar rua. Quantos passariam por ali chamando a J.L. Borges e a praça Cortázar ainda por Serrano, quando eu tinha a alegria boba de pensar: então, uma homenagem aos meus queridos. Pura meninice.

voltarei, Cronópio, talvez antes de procurar em Paris, sabendo mais de mim, da cidade, para me surpreender um pouco mais com os sabores, eletrotangos, o calor das pessoas calejadas pelo difícil e desta vez, sem placas mapas e o encantamento deste ineditismo te perceba um pouco mais – para além das fotografias e amplas avenidas portenhas.