Pages

24 de julho de 2010

notas sobre um jantar em família



O silêncio constrange. Preferia que você fizesse piada, porque não vai admitir o medo. É claro, eu também tenho – mas não existe a menor possibilidade de deixar que isso me pare agora. Olha bem pra mim. Por acaso eu fiz alguma merda na minha vida? Uma loucura irremediável? então. E tenho sobrevivido a tanta coisa enquanto vocês se reúnem e bebem e conversam e se comportam como se nada estivesse acontecendo, preocupados se a cadeira é confortável e fazendo planos de mudanças e viagens e falando da bolsa.

Mas estou misturando as coisas. Se bem que no fim as coisas não serão mais como antes. Nem pra mim, nem pra ela. Porque embora eu tenha começado porque sinto essa censura silenciosa, a falta de assunto como reprovação. É bem parecida essa coisa. Não falaremos que ela está doente, como se isso pudesse espantar o medo dela, o medo que temos por ela.

Não falar sobre o assunto faz com que ela se sinta só – claro que uma pessoa com um tumor crescendo por dentro se sentirá extremamente solitária, mas é preciso compartilhar algo, encontrar um conforto, um ‘não posso fazer muito, mas estou aqui’. E esse silêncio não é cúmplice, é uma forma de isolar o que vai contra a normalidade. Seja numa discordância ou na perturbação da descoberta da fragilidade da vida da própria mãe.

Antes você me dissesse que não sabe lidar com a imprevisibilidade das coisas, em vez dessa defensiva, o olhar esquivo para a forma como ela se move tentando evitar que notem a diferença após a cirurgia.

Você não quer ouvir, constatar a passagem do tempo, a inevitabilidade da morte. E justo você, quem soube dar amor das formas mais óbvias e veementes, quem não teria o que lamentar por omissões e arrependimentos. Não diga, chore. Desespere logo o que te parece a desagregação da família, a beirada do desconhecido. Se aproxime dela sem razão nem medo, para que ela possa se sentir ao menos amparada. Não cometa a estupidez de no futuro lamentar o que não falou enquanto havia tempo.

E quanto a mim, sei lá. Talvez um dia você venha de sarcasminho – ou guarde pra si toda essa merda ‘olha lá, estou avisando’. De certa forma é bom pensar que o seu silêncio é constatação de que nenhuma palavra mudaria o decidido, mas ainda queria te ouvir. Queria esse precedente. Só pra responder. Mas, ah, sim, eu posso esperar.

1 comentários:

V.H. de A. Barbosa disse...

Eu gosto da nova Stephanie que inicia os parágrafos com letra maiúscula.

Sabe o que me lembra a narradora? A personagem que contracena com o protagonista de O segredo de seus olhos, aquele filme argentino que ganhou o Oscar e que você muito provavelmente já assistiu. São as mesmas frustrações, o mesmo desamparo. A mesma esperança.

Bem, espero que a pequena matrioska (eu suspeitava que fosse aquela boneca russa, mas tive que ir ao google confirmar) dê bons frutos!

Um abraço, Stephanie.