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19 de abril de 2011

o diabo e os detalhes



para os amigos do Rio


_ mudar de ambiente é uma oportunidade de se reinventar, você caiu fora, mudou de vida está dando a cara pra bater e é isso aí, está tentando e preciso de algo assim pra mim também_

_ ééé, mas também não é assim. A gente acha que vai embora e só vai levar o que quer, mas acaba carregando coisas sem ter noção de como elas estão pegadas ao que você acha que é realmente seu – e de repente dá de cara com aquela neurose no meio do caminho e pensa: porra, porque estou repetindo essa merda como se fosse automático?

_ tá falando da sua família?

_ não. Estou falando de me pegar plagiando uma versão de mim três anos menos esperta e mais cabaço e tudo a ferro e fogo. E não tem só a ver com a casa nova, mas o trabalho, a defensiva em relação às pessoas, uma porrada de coisas.

_ você tem a sensação de que regrediu depois que mudou para cá

_ tenho a impressão de que amadureci em alguns aspectos, mas em outros, quando o bicho pega, a reação instantânea é velha, impulsiva e às vezes despropositada.

_ tipo lado negro baixando depois da terceira tequila

_ nessa vibe

_ saquei. Mas você parece estar indo bem, vocês estão bem, a casa tá legal, o trabalho novo

_ sim, no geral está tudo indo bem, estou feliz de estar aqui, mas nada é perfeito e uma das coisas mais irritantes é justamente isso: as pessoas vêem a sua vida assim por cima e presumem que tá tudo lindo como se a vida funcionasse por si só. Sei lá, tenho a impressão de que como ainda tenho poucos amigos na cidade as pessoas me olham e pensam superficialmente: ela é madura para idade ela, largou o Rio por São Paulo e está fazendo uma vida aqui – como se isso fosse facinho

_ mas também não é tão difícil

_ não estou dizendo óhmeudeus como me esforço. Estou tentando te explicar é que, pra mim, o que pegam são os detalhes. Tipo, tem gente com um puta cagaço de não conseguir pagar as contas sem entrar no vermelho, chegar em casa e ter que fazer a janta e essas pentelhações de ser adulto levo numa boa. Aliás, acho caída essa nostalgia adolescente ‘ah, bom era quando só estudava em véspera de prova e não tinha preocupações’ – porra, achava adolescência um tédio sem fim – o que me afeta é o cansaço depois do trabalho, o medo da rotina, é a perceber que ainda tenho dificuldades de me comunicar, a convivência com gente que se mantém em relações por comodismo e reclama da vida – pagar conta é mole perto de manter um equilíbrio entre várias coisinhas misturadas ao dia-a-dia, isso exige cuidado para não desandar o todo

_ mas você não acha que está surtando preocupada com tudo isso ao mesmo tempo?

_ ninguém pensa nisso ao mesmo tempo a menos que esteja louco. É pressão demais se fixar no que você considera perigoso, mas também não pode esquecer no fluxo. Há uns dias estava superpegada no trabalho e me sentindo cansada e culpada e frustrada, só conseguia torcer para que acabasse logo para minha vida voltar ao normal. Descuidei da casa e não me liguei que os meus sentimentos em relação ao que estava acontecendo não estava claro para ele da mesma forma como estavam pra mim. Quando você vive intimamente com alguém os seus desgastes emocionais atingem o outro de um jeito que você não tem como prever.

_ é foda, hein, você acaba estressando ele sem saber. Mas acalmou essa fase?

_ ah, sim, graçasadeus. E agora é me recuperar da correria, cuidar da minha casa e dele, retomar minhas leituras, a vida em geral

_ esse negócio das pessoas verem sua vida por fora é estilo facebook, né – parece que tudo é feito de bons momentos e comentários irônicos e referências interessantes quando existe muita merda por trás do perfilzinho.

_ e esse é o meu ponto, meu bem. O problema de mudar de ares e recomeçar em outras terras não é a energia que você usa pra se adaptar e construir novas relações, mas quando você percebe que o mais faz falta são aquelas já construídas, cuidadas e estratégicas para tomar um chope e falar da vida numa quarta depois do trabalho pra botar o veneno do cotidiano pra fora e voltar pra casa feliz e cheia de tesão e saudade do seu marido.

8 de março de 2011

da inescrevibilidade, as dúvidas



a partir de um escolha que mudou quase toda a minha vida, o peso de uma decisão acaba ganhando outra profundidade. Quando me mudei ouvi algumas pessoas falaram sobre minha coragem em mudar de cidade e trabalho para apostar em um relacionamento. No entanto, eu pensava que aquela decisão estava mais para o oposto da covardia do que para a coragem propriamente dita. Eu agia como um louco arquetípico do tarô, seguindo esperançoso em direção ao desconhecido porque tinha um bom motivo para me mover, mas não tinha menor idéia do que me aguardava adiante.

sim, todas essas mudanças trouxeram novidades, mas não estou certa de que escrever sobre elas seja sensato, ou que esteja pronta para escrever sobre elas. Estou me perguntando se algo é sensato. É a este tipo de novidade que me refiro. De repente, me pegar refletindo sobre as conseqüências das minhas escolhas e como uma palavra mal colocada pode causar estragos. É claro que já pensei sobre essas coisas, várias vezes, mas a diferença hoje está na intensidade das idéias, no tempo em que me debruço sobre elas. Surpreende.

Demorou para eu compreender o quanto da minha decisão estava enraizada no meu lado afetivo. Como tudo estava atrelado ao tipo de relacionamento que queríamos construir, no tipo de felicidade que desejávamos para nós – o que poderia ser sólido ou frágil, dependendo de uma série de questões subjetivas entre dois indivíduos bem diferentes. Uma vez me disseram que um relacionamento tem muito a ver com fé. Só nas últimas semanas isso começou fazer sentido de uma forma prática.

aos poucos começo a lembrar de uma série de coisas que minha mãe dizia sobre relacionamentos, paciência e tolerância que eu achava, não se aplicarem a mim. De repente, me pego observando a importância dessas coisas. Concluir que amar não é bastante é algo que se aprende com decepções e umas quebradas de cara, mas o que é necessário além do amor requer disposição. E me desconfio que é por isso que vemos histórias de desfazendo e as pessoas reclamando das dificuldades de se encontrar alguém, sim é difícil, mas é um primeiro estágio. A questão, para além de achar é escolher cultivar o amor e mantê-lo.

é num movimento sutil em que o etéreo se transpõe para a ação. E nessa sucessão de cuidados de delicadezas mútuas se estabelecem outras lógicas, gestos diários, novos hábitos e observações silenciosas eu ainda não sei o que há para ser escrito. Quando se tenta viver a felicidade com menos drama, o que fica de assunto?