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4 de agosto de 2010

Amaranta

não quero que você tire forças de onde não tem. mas precisamos que você tenha um mínimo de coragem. o que podemos fazer tem limite: podemos te visitar, telefonar, acompanhar suas consultas ao médico, marcar exames, fazer curativos, pesquisar sobre medicina alternativa e dietas que amenizem os enjôos. detalhes, delicadezas.

para que se sinta amparada, sinta que te amamos e não queremos perder você, que se por um lado se sente só, somos um bando de impotentes – uns desorientados, outros mais atentos – assustados pela evidência da fragilidade da vida e querendo que você tente. temos medo, mas só podemos chegar com você até a sessão, cuidar de você na volta, inventar distrações (inúteis, porque o seu abatimento é tão fundo que superficialidade das nossas palavras é óbvia, seu olhar absorto as reflete desatento)

antes houvesse menos pudor e você chorasse logo esse medo e falasse de morte – ninguém pensa na própria até que lhe venha a perspectiva – e por mais que você repita há anos como envelhecer é terrível, a vaidade apanha, as limitações são injustas, as dores pelo corpo e talvez fosse melhor acabar logo com tudo isso posto que a tendência é piorar, sempre há o pavor por trás das palavras, e me pergunto se mais pela perspectiva de ficar abatida, perder os cabelos, emagrecer, precisar de calmantes, quando o esforço em apegar-se à vida encontrará uma impossibilidade inevitável. a luta parece vencida de antemão – é mais medo do caminho do que do desfecho, até porque nada está definido e até chegar ao fim

é uma questão de tempo

mas este tempo serviria para você se permitir não ser tão forte o tempo todo, porque a firmeza necessária a sustentar essa postura dificulta, meu deus, é certo você não quer que sintam pena, com razão, mas o excesso de dignidade intimida uma aproximação, um afeto, que é do que você precisa agora e nem eu que estive sempre perto tenho sabido como me achegar e lembrá-la de que estou aqui, tenho rezado por você, tenho desejado que a tristeza una as pessoas em torno de um pouco de humildade (isso é querer demais, sei)

e são muitas as possibilidades: de cura, de uma nova postura diante das coisas, de pequenas felicidades em meio a essa dor que não deixará que a vida seja como antes e no entanto, a diferença não é sentença de fatalidade e depende da forma como você enfrenta a doença, como nós nos organizamos diante da responsabilidade de cuidar de quem durante anos se ocupou de cuidar de nós mesmo quando não achávamos mais necessário

5 comentários:

Lubi disse...

lágrimas nos olhos.
tenho medo de viver esse lado, o dela.

Anônimo disse...

é, realmente é um lado que dá medo de viver... Palavras tão fimes...

Abraços
L.J

Raíssa Christófaro disse...

eu chorei.

teo disse...

Às vezes, demonstrar a fraqueza e a dor podem ser um sinal de força diante do orgulho.
Uma carta para a mãe.

Bruno disse...

Irônico como às vezes é preciso a proximidade da morte para que a vida brote com toda a intensidade.

Uma vez notei que as velas, antes de apagar, brilham com uma força redobrada, uma fúria que não a da chama pacata que ardia até então. Não sei se foi só impressão, mas fiquei com a cena gravada.