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26 de setembro de 2010

do bem-querer e outras inadequações



vejo um relacionamento como um fluxo de negociações, e você me pergunta se não é uma perspectiva muito crua, como se buscar um acordo sempre envolvesse confronto. Resolver onde se vai jantar reúne expectativas e apetites diferentes que podem se acertar de primeira na opção ou se ajustarem em torno de uma outra escolha.

quanto mais fáceis os acertos, mais transparentes as barganhas, mal se notam, mas elas estão lá – em toda interação social – o problema é que a paixão exacerba a coisa toda: uma discordância ganha proporções absurdas. É mais fácil ceder uma desimportância a um colega do que relativizar um ponto de vista com um amante.

a solteirice não expunha o percurso das minhas escolhas. Decidir não vinha pegado a mais alguém e recusar ou ignorar era simples – a solidão reforça egoísmos necessários para a pessoa se manter fiel a sua construção de ser, mas que interferem numa situação a dois: ainda me pergunto como resolveria situações sozinha, só percebo ser dura e exigente como costumo ser comigo depois da aspereza e ter que ser paciente me incomoda.

estar só tornou-se hábito disfarçado pela impressão de liberdade – defesa contra a vulnerabilidade de toda uma capacidade de afeto dispensada entre escritos, correspondências, amizades, amores familiares. O sentir se dispersa, mas não aplaca o desejo – no fim ainda que a cabeça se organize, o corpo anseia pelo outro.

ainda que tivesse a disposição para a dinâmica da noite – habilidades como proibir arrependimentos, cultivar desimportâncias, respeitar desprezos, esquecer e desaparecer – a repetição de lugares, músicas, bebidas, cigarros, silêncios e conversas superficiais só expõe a incomunicabilidade dos sozinhos pairando na madrugada esperando nada ou ansiando por algo que nem sabe-se o que é

eu só sabia o que não queria

e temia delinear a face do desejo e limitar ainda mais possibilidades raras de encontro. Medo de me apegar a um modo de ser inventado e esquecer como desaprende-lo. Medo de me flagrar em fuga de intimidades, calmarias e qualquer espécie de permanência.
minha lição até agora foi tirar da covardia o impulso necessário para deixar o terreno conhecido quando me apareceu este homem possível. Abandonar uma postura solidária deu um novo peso à minha solidão. Troquei de inquietações, reorganizei prioridades, distribuição das energias, me permiti outra ordem de delicadezas.

estar junto impõe inúmeros pequenos desafios, exercícios de empatia, olhares e palavras cuidadosas para os quais nem sempre estou pronta ou disposta. E se algo me redime é consciência da minha ignorância. Eu não sei como, meu amor, eu improviso.

1 comentários:

Bruno disse...

Nada me deixa mais feliz do que quando não quero ir a um lugar e, quando estamos saindo, noto nela uma insegurança. Aí descubro que ela também não queria ir, estava indo só para não me desapontar e ficamos em casa assistindo os filmes de sempre e sujando os dedos de pipoca com manteiga.